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Quando o tratamento de drogas encontra a redução de danos

A psicóloga Sueli Santos diz que os profissionais têm muito que aprender no Brasil


Por Adriana Veloso
De São Paulo

12 de junho 2003

Sueli Santos é pioneira na redução de danos —filosofia que busca reduzir os males potencialmente causados pelo uso de drogas proibidas. Sua presença na Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo garantiu a expansão e continuidade desses projetos.

No bate papo que ocorreu na sede do Centro de Convivência é de Lei, localizada no centro da cidade de São Paulo, essa corajosa mulher conta, acendendo um cigarro, como foi treinada para trabalhar com a abstinência, com o “diga não às drogas”.

Ela descreve como se “rebelou”. Como não pode se omitir diante da realidade e acabou se envolvendo com uma das primeiras ações de redução de danos: a troca de seringas. Os programas recolhem seringas usadas e disponibilizam seringas limpas para usuários de drogas injetáveis, diminuindo o compartilhamento de seringas e, conseqüentemente, a epidemia de HIV – vírus associado com a AIDS – que é transmitido pelo contato sanguíneo.

Desde seu trabalho na Santa Casa de São Paulo, onde se especializou em psiquiatria química, Santos teve contato com usuários de drogas. Lá conheceu a redução de danos, que mais tarde, levou para dentro de um centro de tratamento, modificando formas de ação e filosofias de trabalho, tornando-se figura importante no movimento brasileiro por uma política de drogas mais humana.

Narco News: Como você se envolveu com a redução de danos?


Sueli Santos
Foto D.R. 2003 Al Giordano
Sueli Santos: Conhecia toda a história que ocorreu em Santos em 1989, tanto por relatos dos usuários que atendia como pacientes, como pela mídia. Sempre achei que a repressão que ocorreu naquela ocasião foi um absurdo. Alguns anos depois, em 1993 o Ministério da Saúde convidou alguns serviços para o primeiro treinamento oficial para redução de danos em Brasília. Na época, estava na Coordenação Estadual de DST - (Doenças Sexualmente Transmissíveis)-AIDS e fui convidada a participar desse treinamento realizado pelo australiano Dr. Alex Wodak. Ele foi a primeira referência internacional que tivemos sobre o que a redução de danos estava fazendo em outros países para conter a epidemia de AIDS. Foi muito importante para obtermos o apoio do Ministério da Saúde e começar a desenvolver as pesquisas e ações com usuários de drogas.

Narco News: Foi a partir desse treinamento que os projetos de Redução de Danos começaram a ser elaborados?

Sueli Santos: Sim. Dessa experiência em Brasília saíram os 12 projetos piloto de redução de danos do país. Enquanto locais como a Bahia e o Rio Grande do Sul iniciaram a troca de seringas a partir de 1994, aqui em São Paulo tivemos que elaborar uma estratégia política e administrativa para poder executar, em campo, o Projeto Bocada, que nos permitiu iniciar a troca de agulhas e seringas na capital. Entretanto, eu, enquanto funcionária do estado, tinha que ter segurança para poder ir para a rua com os redutores que estávamos capacitando, não podíamos enfrentar uma hierarquia do estado e ser presos, ou processados como ocorreu em Santos.

Narco News: A repressão ocorrida em 1989 em Santos perdurava ainda em 1994?

Sueli Santos: O processo suspenso de 1989 havia sido reaberto. As pessoas estavam sendo ameaçadas de processo em Santos, que também faz parte do Estado de São Paulo. Isso nos impediu de agir em 1994. Ainda assim, na secretaria de Estado da Saúde, todo mundo estava envolvido com redução de danos, inclusive o Paulo Teixeira, responsável pela lei, aprovada em 1998, que deu o respaldo necessário para as ações de redução de danos.

Narco News: E quando vocês finalmente foram para as ruas em São Paulo?

Sueli Santos: A primeira ação de troca de seringas na capital foi realizada pela Andréa Domanico, que fazia parte de uma Organização Não Governamental (ONG). Logo depois, no segundo semestre de 1997, finalmente fomos para a rua com o projeto Bocada. Mas antes realizamos uma pesquisa com pacientes do Centro de Atenção Psico-social e Tratamento (CRT) para localizar os usuários de drogas injetáveis. Eles nos indicaram 9 pontos de uso de drogas no centro da cidade de São Paulo, mas nenhum deles nos levava diretamente lá. Precisávamos de intermediários, daí a importância de se ter redutores de danos que são ou já foram usuários de drogas.

Narco News: E como foi o desenvolvimento do Projeto Bocada?

Sueli Santos: Foi um aprendizado ótimo, porque finalmente fomos a campo. Ao mesmo tempo foi muito difícil, porque o usuário de drogas injetáveis é um sujeito “invisível”, ou seja, sabemos que ele existe por causa da epidemia de AIDS, mas ele não é facilmente encontrado. A forma como a droga injetável é utilizada torna o acesso a essas pessoas mais complicado, porque a droga não é utilizada na rua, ou em um ponto, como a maconha ou o crack respectivamente. O uso da droga, ou seja, a injeção só ocorre entre os próprios usuários. Eles não fazem uso da substância na frente de outras pessoas, como ocorre com outras drogas.

Narco News: Quais os mitos que foram colocados abaixo nessa experiência?

Sueli Santos: Havia uma fantasia de que as seções de uso de drogas injetáveis eram “rodas de batismo”, um ritual em que o líder do grupo primeiramente utilizava a seringa e a passava adiante para o resto do grupo. Entretanto, isso ocorreu com usuários de drogas mais velhos, numa época em que a cocaína era muito cara no Brasil e que não havia a AIDS. Quando começamos o trabalho de troca de seringas, a partir dos relatos que fui escutando dos jovens, percebi que a “roda” era um mito, o compartilhamento de seringas só ocorria entre amigos, dois a dois. Foi isso o que ouvi dos usuários mais novos, adolescentes que ao injetarem juntos, trocavam a seringa entre si. Esse mito do compartilhamento de seringas entre um grupo de possoas em um ritual foi verdade em outra época, mas nos anos já 90 não ocorria, o compartilhamento era de dois a dois e não mais colective. Além disso, percebi que os usuários tinham noções de higiene, ainda que fossem erradas. Veio abaixo também aquele mito do maluco, do cara que não estava nem aí para nada.

Narco News: Como foi aplicada a redução de danos nesse contado com o usuário de drogas?

Sueli Santos: O usuário de drogas está cansado de saber que aquilo faz mal a sua saúde, assim como sabemos que o cigarro é maléfico e continuamos fumando. A tática da abstinência não funciona para a pessoa que já tem a droga em sua vida. Não adianta simplesmente dizer a ele: “pare de usar”. Na maioria das vezes, ainda que o usuário fique sem usar a droga por algum tempo, as possibilidades de que ele venha a ter uma recaída são muito grandes. Por exemplo, lembro-me da primeira vez que entreguei uma seringa a um usuário dentro Centro de Atenção Psico-social e Tratamento (CRT). Ele era paciente de uma amiga, soro positivo e com hepatite. Chegou contanto que havia tido uma recaída e compartilhado a seringa com outro usuário. Não hesitei, fui até lá e lhe dei uma seringa, para se caso ele tivesse outra recaída não compartilhasse novamente a seringa com outra pessoa.

Narco News: Você começou a aplicar a redução de danos dentro de um centro de tratamento para dependentes químicos?

Sueli Santos: Sim. Durante o dia eu pensava no que a redução de danos poderia oferecer a meu trabalho com usuários de drogas. De tarde e a noite trabalhava com abstinência no Centro de Atenção Psico-social e Tratamento (CRT). Comecei a mudar meus conceitos, a ver que poderia oferecer algo mais a meus pacientes, além da negação às drogas. E paralelamente a isso, trabalhava na organização não governamental Associação Pró Saúde Mental (o PROSAN), onde a partir de minha experiência comecei a perceber que os usuários sabiam que tinham que limpar a seringa, que tinham que limpar o braço, ou seja, eles tinham noções de higiene. A questão era como faziam isso, se era com um pedaço de jornal ou com um lenço limpo. Essa consciência do usuário possibilitou um trabalho contínuo de educação, que resultou em uma mudança de comportamento no que se refere ao uso de drogas de forma mais saudável.

Narco News: Você enfrentou dificuldades para estabelecer esse trabalho de redução de danos dentro de um centro de tratamento? Como foi essa transição?

Sueli Santos: Sim. Houve muitas dificuldades. Havia profissionais ortodoxos que diziam que o local era de tratamento, que condenavam a redução de danos porque acreditavam no mito de que o usuário de drogas realmente vai tirar a droga de sua vida. Na realidade não é isso que acontece, para começar, a maioria dos usuários que lá chegavam não diziam “tenho que parar de usar drogas”. Diziam “minha mãe, ou o médico diz que tenho que parar de usar drogas”. Em alguns casos, os usuários também chegavam dizendo que tinham problemas com determinadas drogas. Por exemplo, usuários de maconha, álcool e cocaína, que contavam que tinham problemas com a bebida e a cocaína, porque quando bebiam queriam cheirar e ficavam sem limites, mas que não tinham problemas com a maconha.

Nesses casos, o conselho que partia de mim, era: “se a maconha não te traz problemas, continue usando, mas se o álcool, que te traz a vontade de cheirar, está te fazendo mal, pense sobre o uso que está fazendo dessas substâncias”. E quando comecei a fazer isso, coordenava, pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, tanto o projeto Bocada, quanto a instituição onde ele era desenvolvido. Muitos de meus companheiros de trabalho não aceitavam isso, questionavam minha atitude. Muitos deles diziam “mas o que as mães dos usuários vão dizer disso? Elas acham que seus filhos estão sendo tratados aqui!”.

Narco News: E o que fez para que seus companheiros de trabalho mudassem de opinião?

Sueli Santos: Tive que levar textos informativos de redução de danos para mostrar que estávamos sim tratando da prevenção, não aquela prevenção primária que diz “não use drogas”, mas sim uma que mostra as pessoas que já são usuárias de drogas possibilidades de se cuidar, porque eles são capazes de ouvir e aprender como reduzir os danos neles próprios e em outros. A redução de danos tem coisas a oferecer para os profissionais que fazem tratamento, porque os dependentes químicos não param simplesmente de usar drogas. Se as probabilidades de que eles vão continuar usando são grandes, porque não trabalhar com a redução de danos? Já existem muitos serviços que trabalham com o “diga não às drogas”, mas quem vai trabalhar com o indivíduo que já usa drogas? Aos poucos o pessoal do centro de tratamento percebeu que a troca de seringas era como a distribuição de camisinhas. A gente não fica sabendo se os casais, quando transam, usam proteção para conter a epidemia de AIDS, mas a cada seringa trocada sabemos que uma pessoa não foi contaminada, porque a grande maioria dos usuários de drogas injetáveis é soro positivo.

Narco News: Como você vê o movimento hoje?

Sueli Santos: Hoje há um avanço incrível. Atualmente, há inúmeros projetos na capital e no interior que conseguiram conter bastante a epidemia de AIDS e hepatite principalmente. Agora, acabo de assumir o trabalho de campo com os usuários de drogas injetáveis aqui pelo Centro de Convivência é de Lei e percebo que a redução de danos está se tornando uma política pública na maioria dos estados do Brasil.

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